terça-feira, 19 de setembro de 2017

O Retorno

"Já estou voltando.
Só tenho 37 anos e já estou fazendo o caminho de volta.
Até o ano passado eu ainda estava indo...

Indo morar no apartamento mais alto, do prédio mais alto, do bairro mais nobre.
Indo comprar o carro do ano, a bolsa de marca, a roupa da moda.
Claro que para isso, durante o caminho de ida, eu fazia hora extra, fazia serão, fazia dos fins de semana eternas segundas-feiras.

Até que um dia, meu filho quase chamou a babá de mãe...
Mas, com quase 40, eu estava chegando "lá"!

Onde mesmo?
Ninguém conseguiu responder...

Eu imaginei que quando chegasse lá ia ter uma placa com a palavra "Fim". Mas antes dela, avistei a placa de "Retorno" e, nela mesmo, dei meia volta.

Comprei uma casa no campo (maneira chique de falar, mas ela é no meio do mato mesmo).
É longe que só a gota serena! Longe do prédio mais alto, do bairro mais chique, do carro mais novo, da hora extra, da babá quase mãe.

Agora tenho menos dinheiro e mais filho. Menos marca e mais tempo.

E num é que meus pais (que quando eu morava no bairro nobre me visitaram quatro vezes em quatro anos) agora vêm pra cá todo fim de semana?
E meu filho anda de bicicleta, e eu rego as plantas, e meu marido descobriu que gosta de cozinhar (principalmente quando os ingredientes vêm da horta que ele mesmo plantou).

Por aqui, quando chove a internet não chega. Fico torcendo para que chova, porque é quando meu filho, espontaneamente (por falta do que fazer mesmo) abre um livro e, pasmem, lê!
E no que alguém diz “a internet voltou!” já é tarde demais porque o livro já está muito mais interessante que o Facebook, o Instagram e o Twitter juntos.

Aqui se chama "Aldeia" e tal qual uma aldeia indígena, vira e mexe eu faço a dança da chuva, um chá com uma plantinha e a rede de cama.

No São João, assamos milho na fogueira. Aos domingos converso com os vizinhos. Nas segundas, vou trabalhar contando as horas para voltar.

Aí eu lembro da placa "Retorno" e acho que nela deveria ter um subtítulo que diz assim: "Retorno – Última Chance de Você Salvar Sua Vida!"

Você, provavelmente, ainda está indo. Não é culpa sua. É culpa do comercial que disse: “Compre um e leve dois!”.

Nós, da banda de cá, esperamos a sua visita. Porque sim, mais cedo ou mais tarde, você também vai querer fazer o caminho de volta.

"O caminho de volta"
Crônica de Téta Barbosa - mãe, jornalista, publicitária, mora no Recife e vive antenada com tudo o que se passa ali e fora dali."

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