sábado, 21 de maio de 2016

Caso veridico do cotidiano

Caso verídico do cotidiano - Especial


Trecho do documentário Paulo Freire, produzido pelo IPF. Em certo momento Paulo Freire conta um episodio ocorrido em sua vida em um encontro que teve com um pai de aluno. O homem dizia:

“Eu agora por exemplo, vou querer fazer uma comparação de como o doutor vive, e como nós vivemos para explicar toda essa questão de bater em filho, de dialogar com o filho, por exemplo, eu não conheço a casa do doutor, onde o doutor mora, mas eu não tenho dúvida nenhuma que ele mora em uma
casa solta dos dois lados. (casa solta dos dois lados, é uma expressão muito nordestina, uma casa de dois níveis livre do lado de cá, livre do lado de lá, solta no terreno). Ele deve morar numa casa solta dos dois lados, deve ter um jardinzinho na frente com uma graminha “ingresa”, (aí diz) quantos filhos o senhor tem?( Eu tenho 5, nessa altura já começando a ficar assim). Senhor tem 3 meninas e dois meninos, sabe muito bem, sua casa deve ter um quarto muito bom pro senhor e sua mulher, dois quartos grandes onde devem dormir as três meninas, uma mais velha dorme num quarto só, as outras no outro e no terceiro quarto dorme os dois meninos. O senhor deve ter um quarto para os seus livros, o senhor é doutor, tem que ter livro. Uma boa cozinha com toda a linha “Arno” . (Isso é uma coisa que nos anos 50 se falava muito, da linha Arno, eu até nem devia fazer propaganda da Arno, então batedor, tinha isso, toda uma serie desses instrumentos primeiros técnicos de cozinha). O senhor deve ter um chuveirinho elétrico, toma seu banho morno, tem uma sala boa pra comer, os meninos tem comida, tem leite, tem roupa, tem médico, basta dar um espirro sua mulher chama o doutor, o doutor vai lá, o tal de pediatra, examina os meninos e dá o remédio. Quando o senhor chega de noitinha em casa eles estão já de “bainho”, o último “bainho” já foi tomado, eles tomam a sopinha deles e tomam “bença pai”. E vai tudo dormir direitinho depois que brinca, e o senhor fica sozinho com sua mulher vê um cineminha se quiser, vai no cinema, visita um amigo, volta pra casa mais tarde. O senhor dorme bem, deve ter ventilador no mínimo, agora se o senhor não tiver um dialogo com seus meninos, o senhor é que não merece respeito nenhum. Agora como é que nós moramos, numa casa que tem um quarto só que é tudo, é banheiro, é sala, é quarto de dormir, é tudo com os cachorros misturados. Quando nós chegamos em casa as 7 ou 8 horas da noite, os meninos estão endiabrados porque não comeram bem, estão sujos, não tem água para tomar banho porque a gente não tem chuveiro elétrico, a gente não tem água assim solta em casa, os meninos estão com fome, chateados, cansados, aborrecidos, e impertinentes, e nós não podemos deixar de dormir, porque no dia seguinte as quatro horas da manhã a fábrica apita pra acordar o bairro inteiro, (e é isso mesmo as fábricas despertam as cidades, não apenas o seu operariado). E aí dizia ele, agora como é que o senhor vai querer com uma situação como essa a gente tenha o dialogo como o senhor quer? ( E o homem fez naquela noite, uma análise de classes que eu não fui capaz de fazer).”

Retirado do site http://www.pedagogiadascores.com.br/especial.html

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